quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Sobre escalar e Viver, sobre viver e Escalar!!


Por Leda Mendes

- Você está a fim de tentar escalar? Acho que você vai gostar.
Ela me disse e eu acreditei.

Eu e Nine em uma das muitas paradas da via!
Foi num lance de reciclagem de vida que me veio o convite pra começar a escalar.  Janine Falcão me fez o convite, somos amigas desde o tempo da faculdade, fazia algum tempo que não nos víamos e só sabíamos uma da outra pelas redes sociais, mas nunca perdemos o contato e o carinho. Nem sabia do tamanho do presente que aquele convite significava. Tinha acabado de mudar de cidade, de vida, tinha acabado de deixar um trabalho, um amor e estava começando tudo de novo.

Às vezes não nos damos conta dos padrões (de comportamento, hábitos, pensamentos, amores) que repetimos na vida, o fato é que vamos aprendendo coisas novas e acrescentando essas coisas à vida que levamos e nem sempre dá pra pensar organizadamente em como estamos lidando com o que já somos e com o que vamos aprendendo a ser. E aí, vez por outra, é preciso dar uma reciclada na bagagem de vida, é preciso jogar algumas coisas fora, acrescentar outras, desapegar do que a gente acostumou a guardar, mas já não serve mais... Então, eu sempre penso em como as minhas escolhas de vida estão me ajudando (ou não) a ser uma pessoa melhor.  E, definitivamente, escalar é uma das melhores escolhas que já fiz, por que, atenta aos movimentos, percebi que aprender a escalar é como ir aprendendo a viver!

Escalar não foi uma escolha à toa e, desde a primeira vez, cada nova via, cada nova trip, vem como uma analogia necessária pra vida que pretendo levar. Aprender a viver e aprender a escalar ou aprender a escalar que é como aprender a viver, por que na escalada como na vida a gente precisa aprender que nem tudo está na mão, aprender a movimentar os pés, a abrir mão da força desnecessária, a respeitar o limite, aprender a ir com leveza, a controlar o fôlego e a respiração, aprender a acreditar e dar o salto na hora certa, aprender a fazer uma leitura da via, da vida, do tempo que vai levar, aprender a parar antes de bombar ou tentar outra vez mesmo que bombe. Na escalada como na vida a gente precisa aprender a confiar em quem dá segurança, em quem vai segurar a queda, em quem vai dar os betas, precisa também aprender a dar segurança a alguém, a segurar alguém, aprender a estar atenta ao movimento do outro. E a melhor parte é que, na escalada como na vida, companheirismo e parceria são fundamentais, reciprocidade e generosidade são necessárias pra escalar bem, pra viver bem também.

Uma das últimas trips me fez pensar ainda mais nisso. Me faço entender:

Pegamos a estrada para o Parque Estadual da Pedra da Boca depois das 20h. Quase desisti de escalar aquele fim de semana por que nada estava dando certo. Eu estava cansada de dirigir, de trabalhar, de estudar, de tentar amar de novo. Bateram no meu carro, quase atropelei um filhote de gato e precisei me despedir (pra sempre ou por muito tempo) de uma pessoa com quem eu gostaria de passar muitos dias e noites. Não tinha cerveja que desse conta, isolamento que funcionasse, conselho amigo que servisse. Ainda bem que havia a estrada, companhia e um monte de vias pela frente. Ainda bem que eu não desisti. Isso não significa que foi fácil, mas viver e não desistir não são coisas fáceis também.

Na primeira manhã fomos para uma via longa (aproveito pra mandar um beijo para a Cyn e o Beto que estavam subindo a via ao lado, também pro cume, e sofreram enquanto a gente cantarolava O bêbado e a equilibrista no crux!). Eu não sabia nada de vias longas, como iniciante, aqueles 240 metros acima me pareciam infinitos. As primeiras enfiadas foram tranquilas, estava animada e confiante, mas aí, o sol começou a brilhar mais forte, fazia calor, a sapatilha apertava os pés e a subida complicava, mas a gente ia cantando, subindo e cantando e administrando a dor. Vez por outra pensava no trabalho, no carro batido, no moço que foi pra longe, mas em seguida era minha vez de subir e eu não podia parar e nem desistir. Tinha alguém comigo, que me dava força, que confiou em mim, que precisava que eu subisse para que pudesse continuar a subir.  

Nine, Cyn, Beto e Eu, no cume da Pedra da Boca
Na última enfiada, feliz da vida, faltava pouco pra terminar, segurei forte no cristal, confiei e apoiei o corpo inteiro. Estava quase no meio da canaleta, faltava pouco. Então, todo o peso do corpo apoiado e, antes do movimento seguinte, achando que tudo ia bem, o cristal quebrou, eu despenquei, no meio da canaleta, a mais de 200 metros de altura, despenquei destrambelhadamente, e caí arrastando os braços e pernas, sentindo mais ainda o peso da mochila. Só depois consegui gritar: queda! Foi a primeira vez que caí.

Olhei para baixo, pendurada, olhei para cima, para o pedaço que faltava, pensei em desistir, em chamar um resgate, em me jogar dali. Desespero quase. Olhei de novo, respirei forte, com calma e continuei a subir. Eu não estava sozinha, alguém esperava e confiava em mim.

Escalar é como viver e vai doer, mas tem suas compensações. Foi nisso que pensei e foi isso que senti lá no cume. Escalar é como viver e é preciso aprender a cair, por que a queda é inevitável, vai acontecer, mas dá para minimizar o impacto dependendo de como você se jogue.

E o fim de semana se estendeu assim, tentativas, quedas, fôlego e música pra inspirar. Um mergulho, literalmente, numa piscina fria e num monte de aprendizados necessários. Eu caí outras vezes, mas caí melhor, senti menos medo e mais cuidado. Chorei de raiva, de medo, de ansiedade. Até entender que a pedra continua lá e chorar não vai fazer o crux passar, do mesmo jeito que lastimar e desistir não resolve os problemas da vida. No final do último dia, antes de anoitecer, fizemos mais um cume. Aí eu perrenguei bonitinho, mas já não caí. Aí os movimentos novos e a altura, as dificuldades e o medo foram se transformando. E eu fiquei pensando que não tem mesmo graça se tudo for igual, fiquei pensando que vão haver problemas e medos novos, que vão haver mais momentos difíceis e carros batidos e despedidas, por que a vida é movimento e estar em movimento não é fácil.
 
O merecido banho de piscina!
Um cume especial!
Escalar não é uma compensação, não é um lugar de tudo lindo, escalar é como viver e dói, mas ensina muito, por que é preciso não desistir e quanto mais aprender e evoluir, mais difíceis serão os perrengues, mais duras as vias, mas, na mesma proporção, mais incríveis serão os cumes, mais bonita a vista e maior ainda aquilo que cresce cada vez que um desafio é ultrapassado. Uma via de cada vez, um dia de cada vez, uma conquista depois da outra, com leveza e a força necessária. É preciso amor e fé, pra escalar e pra viver, pra não desistir do amor e não desistir de subir!

Quando entramos no carro pra voltar pra casa, desejei um gole de cerveja gelada, um verso de música, um abraço e uma fotografia pra lembrar. O pôr do sol era lindo e as cores do céu faziam a vontade de viver e escalar aumentar, ainda mais. Não foi à toa que resolvi começar a escalar e nem é à toa que desejo continuar. Escalar é uma escolha de vida, pra vida. E vai doer.

"A volta"






Nenhum comentário:

Postar um comentário