Este
era para ser apenas um texto sobre um período de quatro meses que passei
viajando por diferentes lugares do Brasil. Como tenho o costume de escrever
muito, o texto acabou se dividindo em dois posts. Nesse primeiro compartilho
com vocês como o prazer de viajar foi me conquistando desde meus primeiros
passos no montanhismo e na escalada até a imensa vontade e cara de pau de abrir
mão de uma vida estável pelo prazer do desconhecido de viver em outros lugares.
No segundo faço o relato das minhas impressões sobre os quatro meses que passei
viajando nesse ano. Minha intensão não é falar diretamente sobre escalada como vias,
graus ou treinamento, mas sim sobre o prazer de viajar, as amizades, os
encontros, a cultura dos locais e as mudanças que cada viagem traz na nossa
vida. Espero que gostem!
2015
está sendo um ano bastante especial. Em agosto completei 10 anos como
montanhista (comecei praticando travessias de cânion nos Aparados da Serra, na
divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina) e em outubro completo 9 anos
como escaladora. Além disso foi o ano que mais viajei para escalar e para viver!
Para mim, viajar é um dos melhores benefícios (entre tantos outros) que o
montanhismo proporciona. Desde o início, quando eu ainda só fazia travessias, durante
os finais de semana e feriadões, passava horas dentro da Bandeirantes amarela
do meu amigo Neytão (Neyton Reis da loja Montanha Equipamentos de Porto Alegre),
ouvindo REM e Dire Straits, espremida com outros canionistas, descobrindo a
serra do RS e o litoral de SC, louca de faceira.
Logo comecei a escalar, e
sempre fazia questão de cada final de semana aceitar carona (nunca tive carro)
pra conhecer um pico diferente de escalada no meu estado natal. Mesmo quando não pintava carona, eu dava um
jeito de entrar em contato (pelo Orkut e mais tarde pelo Facebook) com algum
escalador local do lugar que eu queria conhecer. Posso dizer que, dessa forma,
conheci praticamente todos os picos de escalada do RS. E isso eu faço até hoje!
Sempre que vou a algum lugar novo, seja em outro estado ou outro país, sempre
procuro a parceria dos locais. Geralmente as pessoas ficam muito contentes pelo
meu interesse pelo seu pico local de escalada e me recebem super bem,
oferecendo transporte, estadia, os melhores betas e parceria da melhor
qualidade. Nunca tive frescura em arrumar parceria pra escalar, escalo com
qualquer um, desde que tenha uma vibe positiva e fique esperto nos
procedimentos de segurança.
Quando
terminei a graduação, consegui ter mais tempo para viajar para mais longe e,
durante as férias de inverno e verão (sou professora), comecei a escalar em outros
estados como Paraná e São Paulo. No verão de 2011 eu estava trabalhando em um
projeto onde precisaria dar aula durante o verão. Estava insatisfeita com
algumas coisas do trabalho, cansada (cheguei a trabalhar 60 horas por semana e
sempre muito longe de casa) e louca de vontade de conhecer a Patagonia. Não
preciso nem dizer que pedi demissão, mesmo com o coração partido de ter que
deixar os alunos que eu tanto amava. Assim, passei 40 dias na Patagonia.
Conheci e escalei em Cochamó, no Chile, e no Frey, na Argentina. Nessa viagem
passei o tempo em Cochamó com amigos e outra parte, na Argentina, fui sozinha.
Apesar de estar em um país diferente, nunca ter estudado espanhol e com quase
nada de experiência em escalada móvel, fiz amizades que mantenho até hoje,
escalei quase todas as vias clássicas do Frey e voltei uma pessoa diferente e
melhor, muito mais desapegada e intensamente apaixonada pela vida.
São Bento do Sapucaí/SP tem escalada para todos os gostos e ainda tem aquele visual incrível da Serra da Mantiqueira, comida deliciosa e uma galera alta vibe. Tem como não voltar? |
Cochamó foi um dos lugares mais bonitos que já estive e onde quero
muito voltar. Essa foi a primeira vez que escalei em móvel sacando as peças.
Pensa na felicidade em encadenar uma via linda dessas!!
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A partir daí
fui picada pelo mosquitinho da Patagonia e no verão seguinte passei mais 30
dias desfrutando dessa região incrível. Fui para o Frey novamente, passei a
virada de 2011 pra 2012 na cordilheira, vi neve pela primeira vez na vida,
carreguei uma mochila com mais da metade do meu peso, passei 10 dias sem banho,
respirei as cinzas do vulcão Puyehue e
escalei vias incríveis. Na mesma temporada, enfrentei 27 horas de viagem pela
mítica Ruta 40, que nem foi tão ruim assim, já que os ônibus argentinos são
super confortáveis e servem todas as refeições. Depois de muita poeira, calor e
guanacos cheguei num lugar mágico conhecido como El Chaltén, no sul da
Argentina. Cheguei à noite. Na manhã seguinte a coisa que eu mais queria era
ver as famosas agulhas Fitz Roy, Cerro Torre, Saint Exupery, Poincenot. Se eu
conseguisse ver ao menos uma pontinha delas, a viagem já estaria ganha para
mim. Quem conhece ou já ouviu falar sobre El Chaltén sabe que é super difícil
visualizar essas montanhas. O clima nesse lugar é severo demais, muito vento,
frio, neve, neblina. A escalada nesse lugar então faz tremer as pernas até do
mais experiente e forte escalador. Mas para minha surpresa e sorte de
iniciante, não tinha vento, o céu estava sem nenhuma nuvem e fazia um calor que
permitia até sair apenas de camiseta pelo vilarejo. Este era o início de uma
janela histórica de bom tempo. Nessa janela de bom tempo muitos brasileiros
fizeram cume nas montanhas de Chaltén, o escalador Rato (Ricardo Baltazar)
escalou todas as principais montanhas da região, David Lama livrou uma via
sinistra no Cerro Torre, Hayden Kennedy e Jason Kruk arrancaram os
grampos da via do Compressor nessa mesma montanha, provocando uma polêmica
mundial sobre ética na escalada. E enquanto tudo isso acontecia, eu na minha
tremenda cara de pau, entrei numa cordada com mais dois gaúchos, Alltmann e
Sequinho, na agulha De la S. Com experiência nula em travessia de glaciar,
aproximações tão longas e escalada no estilo alpino, lá estava eu dormindo (pelo
menos tentando) com o barulho das avalanches, calçando os grampões, aprendendo
a usar piqueta, pulando gretas e rimayas, passando ao lado de seracs (inclusive
vendo alguns despencar) e rapelando de pitons duvidosos e fitas e cordeletes
antigos. Dessa forma fiz cume num dos lugares mais sinistros de escalada no
mundo e ainda tive o privilégio de, ao chegar ao cume, visualizar de um lado o
Fitz Roy e de outro o Cerro Torre. Indescritível a sensação. Com certeza foi
uma das experiências mais intensas da minha vida e eu agradeço imensamente ter
sobrevivido para poder estar aqui contando.
Lá estão as agulhas, abertas, lindas a me chamar. E eu fui, levei dois dias caminhando pra chegar na base. O caminho foi duro mas a experiência inesquecível! |
Depois
dessa grande viagem, passei por uma fase um pouco obscura com problemas
pessoais, insatisfação no trabalho, lesões. Entretanto, tive muito tempo pra
pensar. Alguma coisa me inquietava, eu não queria apenas passar as férias nos
lugares incríveis. Eu queria poder conhecer intensamente esses locais, viver o
dia-a-dia dos habitantes, absorver a cultura local. Assim, conclui que
precisava morar em algum local incrível
com muita escalada. Pedi demissão do trabalho mais uma vez, assim, precisava
arrumar alguma forma de me sustentar. Então decidi voltar a estudar, fazer um
mestrado. Escolhi Curitiba pois, além de ter uma ótima universidade pública, o
clima de serra dessa cidade sempre me agradou, além do Paraná ser um estado com
um histórico de escaladas antigo e muito forte. Sempre quis saber porque os
escaladores paranaenses são tão fortes. No mestrado consegui uma bolsa, que não
era muito mas, economizando e planejando bem, era o suficiente para eu poder
escalar todos os finais de semana nos lugares incríveis perto de Curitiba e
viajar todos os feriadões e férias de meio e final de ano. Sair de casa foi uma
das melhores escolhas que já fiz. Por incrível que pareça as antigas amizades
não esfriam, parece que com a distância elas se intensificam. A relação com a
família também melhora muito. E você descobre que o mundo não é tão mau como
muita gente fala. Existem muitas pessoas que ajudam as outras mesmo sem
conhecê-las direito e sem cobrar nada em troca. O mundo é bom, só precisamos
nos permitir experimentá-lo!
Com Ana (uma das amizades pra vida toda que fiz no Paraná) no cume do Anhangava com o conjunto do Marumbi ao fundo. |
Aqui o cume do Olimpo no Marumbi com Luísa e Rodrigo Cunha. Sempre vou ter um caso de amor com a serra do mar paranaense! |
Depois de dois anos, com o final do mestrado, eu
me dei de presente de defesa uma viagem à Bahia. Na verdade a Bahia foi só o início e o
meio de uma longa viagem que durou 4 meses. Mas as impressões e experiências sobre
essa viagem vão ficar para breve.